Turismo, Sustentabilidade e Capitalismo: A Dicotomia entre Rendimento e Coerência Ética.

Trabalhar com turismo no século XXI implica, inevitavelmente, uma tensão entre os valores que defendemos e o sistema económico em que estamos inseridos. Para quem acredita na sustentabilidade, na justiça social e numa relação respeitosa com os territórios e as comunidades locais, viver e operar dentro do sistema capitalista levanta um dilema constante: como manter a coerência ética enquanto se tenta garantir a sobrevivência — e, idealmente, a prosperidade — de um negócio?

Este desafio torna-se ainda mais agudo quando se trata de fugir ao turismo de massas. Oferecer experiências mais íntimas, conscientes e ligadas à cultura e às pessoas dos territórios exige tempo, cuidado, escuta — e normalmente também implica rendimentos mais baixos. Paradoxalmente, é o turismo de luxo que tende a gerar mais rendimento por visitante, e muitas vezes este segmento está disposto a pagar por experiências únicas, personalizadas e fora dos circuitos habituais.

Mas aqui reside uma das grandes inquietações: até que ponto é possível trabalhar com públicos de maior poder económico sem reproduzir desigualdades ou distorcer o espírito comunitário e acessível que se quer cultivar? Como evitar transformar a autenticidade dos lugares em mercadoria exclusiva?

A resposta não é simples, mas talvez resida num esforço permanente de equilíbrio e transparência. Ser sustentável, no verdadeiro sentido da palavra, implica também ser financeiramente viável — não há transformação sem base sólida. No entanto, essa sustentabilidade financeira pode ser construída com um modelo híbrido, que articule diferentes públicos, diferentes formatos e diferentes intensidades de participação.

Talvez o caminho passe por criar propostas de valor diferenciadas: algumas pensadas para quem pode pagar mais — desde que isso se traduza em investimento real nas comunidades e na regeneração dos territórios — e outras acessíveis, baseadas em redes de solidariedade, intercâmbio e colaboração.

É fundamental recusar o modelo extrativista, em que o lucro vem à custa da cultura, da paisagem ou da dignidade das pessoas. Em vez disso, podemos construir um modelo relacional, onde o turismo é um espaço de encontro, escuta e transformação mútua. Um modelo onde o valor não está apenas no conforto, mas na profundidade da experiência.

Neste sentido, talvez o luxo que devamos oferecer não seja o do excesso, mas o do tempo: tempo para estar, para ouvir, para sentir um lugar sem pressa. Luxo como presença, atenção e conexão.

Manter uma gestão ética e sustentável dentro de um sistema que muitas vezes privilegia a velocidade, a escala e o lucro imediato é um ato de resistência. Mas também pode ser um ato de imaginação radical: imaginar futuros possíveis onde o turismo não destrói, mas cuida; onde o negócio não é sinónimo de exploração, mas de partilha; onde o capitalismo não é um destino final, mas apenas o contexto em que, por agora, operamos — com consciência crítica, com responsabilidade e com coragem.

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