Colaboração e Sustentabilidade

O País dos Pequenos Grupos
Dizia José Gil que em Portugal a inveja não é só um defeito moral — é um sistema de funcionamento. Um vírus silencioso que contamina relações, projetos, ideias. É a sombra que espreita sempre que alguém tenta destacar-se ou fazer diferente. O mal-estar da visibilidade, como lhe chamou. E o resultado? Cada um fecha-se no seu grupo, na sua ilha, no seu mundinho de controlo.
Fazemos coisas incríveis... mas só se for com os “nossos”. Preferimos montar três microprojetos em paralelo do que somar forças num só. Receamos que alguém ganhe mais, apareça mais, seja mais. E, sem darmos conta, viramos especialistas em sabotar colaborações com a desculpa da autonomia.
Ora, no tempo que vivemos, este traço torna-se um luxo que não podemos pagar. A crise climática não espera pelos nossos ciúmes. A desertificação do interior não tem paciência para os nossos orgulhos feridos. A sustentabilidade — essa palavra que se diz tanto e se pratica pouco — só acontece quando confiamos uns nos outros. Quando abrimos a porta ao vizinho, ao colega, ao “outro”. Quando deixamos de medir egos para começar a juntar vontades.
Até as redes sociais, que podiam ser pontes, caem muitas vezes nesta armadilha. O LinkedIn e o Instagram, por exemplo, transformaram-se em vitrines de sucesso, onde se colecionam feitos, prémios, eventos e sorrisos ensaiados. Mas aquilo que devia aproximar — facilitar contactos, inspirar colaborações, criar oportunidades — acaba muitas vezes por alimentar distâncias, comparações e vaidades. Falta-nos transformar o “mostrar” em “convidar”. Mostrar para abrir caminho à conversa, à entreajuda, ao encontro.
É preciso reaprender a trabalhar em rede. Partilhar ideias, recursos, tempo. Compreender que não perdemos força ao cooperar — ganhamos escala, impacto, sentido. Que as melhores soluções são sempre coletivas, porque partem de vários olhares e várias mãos.
No turismo, por exemplo, há um potencial imenso no trabalho colaborativo. Projetos que ligam comunidades, empresários, autarquias, ONGs, escolas. Redes que valorizam os recursos locais e constroem experiências com verdade. Mas isso exige confiança e generosidade — duas palavras difíceis num país em que ainda se confunde visibilidade com vaidade.
José Gil alertava: só nos libertamos do atraso quando enfrentarmos a inveja de frente. Eu diria mais — só avançamos quando abraçarmos a ideia de que o sucesso dos outros não é uma ameaça, é uma oportunidade. E que, ao trabalharmos juntos, o “nós” pode finalmente pesar mais do que o “eu”.
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